19 março 2007

Sobre Nossas "Crias"

Comecei a pensar nos “filhos” gerados pelos “artistas” quando era adolescente e comecei a escrever pecinhas de teatro (não que eu me considerasse artista...mas me achava importante escrevendo...).
Bem, depois parei de pensar nisso e só fui voltar a esta idéia quando li uma frase genial de Pya Lima (as vezes Pêra, etc.....) no seu blog, sobre a concepção das proles.
No caso dela, fotografias, às quais pariu em clicks apaixonados e os libertou para o mundo a fim de cumprirem seu destino premeditado (segundo Pya).
A frase “Bendita é a Concepção das Proles” contida no texto não me saía da cabeça e, para exorcizar esse mantra perturbador que ressoava em minha mente, escrevi a poesia “Bela Prole” (que faz parte da minha Segunda Galáxia Poética).
A própria frase de Pya já é, em si, uma cria, que por sua vez, gerou indiretamente outra: esta minha poesia.
Assim, a própria cria poderá vir a dar “crias”, independente da vontade de sua mãe, ou de seu pai!
Ou seja, nossas crias podem não ter um destino tão premeditado assim...


A Concepção das Proles


Bela prole
concebida
Bela prole
bem nascida
Bela prole
bem criada.

Bela prole
vai crescendo,
apanhando e
aprendendo.
Desgarrando e
transformando,
libertando e
liberando.


Que tua mãe
que te gerou
Muitos frutos
ainda dê

Que teu pai
que não existe
Seja o mundo
que te pariste

De um insight
bela prole
nasceu!
Elaborando,
Bela prole cresceu!

Bela Prole
bem criada
Boa prole tb dará,
para este mundo
sem fim, concebendo,
um dia, também estará.
Inspirando e ensinando,
pela vida vai andando.
Cantando, sorrindo ou
chorando, bela prole
vai sonhando e encantando.


Do mundo
minha prole é,
para o mundo
foi parida,
e nele, bela prole morará!
Adormecida ou acordada,
na mente de alguém
fará sua morada.



Bendita é a concepção das proles!!! *

concebidas, paridas,
nascidas e criadas.

Acatadas, refutadas
ou destrinchadas,
Benditas proles,
belas ou não,
abrindo-se como
leques coloridos
pelo mundo se vão!




* frase de Pya Lima
http://pyalima.blog.uol.com.br/


Dez.2006

Segunda Galáxia Poética

EXPERIMENTAÇÃO


Experimento a poesia,
como quem experimenta uma receita culinária.
Experimento a poesia,
como uma forma de digerir emoções.
Experimento a poesia,
como uma fuga das emoções (como já disse um poeta)

Experimento o insight, a luz, a gênese, o parto,
a elaboração, a transmutação, a transcrição!
Experimento o mergulho no oceano profundo,
e a insana sanidade da exteriorização...

Excrescências de sentimentos marginais,
em puro estado bruto!
Requerente de elaboração, dilapidação e aprofundamento;
Para serem transcritos pelo centro nervoso da escrita!

Que exterioriza, expõe e mostra!
Analisa, persegue e gera,
vasculha indícios.
Percebe o que transborda
e o que se encolhe!
Explora, observa, descortina,

Vira pelo avesso
e sente,
como requerente,
a morte da matéria.


jul./e dez.06

Segunda Galáxia Poética

O QUE?




O que fazer
Quando o abraço não existe
O vácuo persiste
Os beijos se perdem
E a mente insiste?


O que fazer
Quando as mãos se esvaziam
Os olhares não existem
Os caminhos se desviam
E mente e coração insistem?


O que fazer
Quando os espaços se alargam
As intimidades inexistem
Os devaneios te abarcam
E mente, coração e corpo insistem?


O que fazer
Quando a ânsia persiste
As sensações insistem
O vazio não desiste
E a não-materialização resiste?




O que fazer?

O que comer
O que beber
O que deter
O que vencer
O que correr
O que mexer
O que escrever
O que viver?

O que?




12.10.06

16 março 2007

Segunda Galáxia Poética

AVES DA MANCHÚRIA


Da Manchúria à luxúria,
do zelo ao apelo,
somos aves sem dono.
No abandono de nosso vôo
sugamos o hálito de zéfiro
e nos alimentamos de nosso
próprio sangue.

Falta-nos o pecado e a fé,
a coragem e a sensatez,
a verdade e a paz.

Da Manchúria voamos até aqui
e aqui estamos,
aqui nos abandonamos,
aqui nos instalamos,
e aqui procuramos nossas vidas.

No bater de nossas asas,
o pó levantamos, e dele,
renascemos, crescemos,
e ao pó voltaremos.


Mas não agora!


Nós, Aves da Manchúria,
milagrosas criaturas,
nas alturas abandonadas,
às alturas condenadas!
Nosso destino aceitamos,
e nele, criaremos nosso vôo,
nossas vidas, idas,
e vindas...

No mais belo céu,
cujo encanto
em qualquer canto persiste
e existe...
Seja Ocidente ou Oriente,
Poente ou Ponente,
na História ou na Literatura.


Somos agora,
aves do céu,
e nele, nosso vôo se abrirá!




20.11.2006

Segunda Galáxia Poética

VIVA A RAZÃO


Acima de toda razão,
De todo contrato,
De todo substrato,
Eis-me aqui, intacto!
Pronto para amar-te.


Beijar-te querida, e amar-te suavemente...
Amar-te querida, e beijar-te longamente...


Além de todo extrato,
Exacto no acto,
No pulo e no gato,
Viva o substrato!


Viva a razão,
O almoço,
E a visão!


Viva o amor
Viva o beijo
Viva o abraço!
E viva o Substrato!



Viva a razão do amor que lhe tenho,
Viva a razão do amor que não podes me dar,
Viva a nossa razão,
O nosso substrato,
O nosso contato,
O nosso tato!


Viva o tudo e o nada!
Viva eu e você!
E o nosso amoroso substrato,
não-exato e sem acto!



2006 (ago. e out.)

Segunda Galáxia Poética

AMOR OPONENTE


Inspirou-me certamente, mas não inteiramente,
o seu olhar,
a sua tez,
o seu portar-se.

Os seus modos para comigo
foram o fio condutor
do meu desassossego
e do meu ardor.

Em mim ficou o seu cheiro,
e do sentir diário desse perfume,
nasceu inodora flor.
A marca do cego vagar,
da muda fala verborrágica,
cujas palavras escorrem vãs
e desprovidas de sentido,
perante o infinito que se agiganta.

A marca da surdez eloqüente,
que assim chega aos ouvidos do amor oponente.

Inspirou-me certamente, mas não inteiramente,
a sua vida,
as suas mãos,
e a sua companhia.


Inspirou-me para amar-te e para odiar-te.
Inspirou-me para desiludir-me de ti e de mim,
do discernimento e da razão,
da vazão,
do sim,
e do não!




26.10.2006 e
12.12.2006

15 março 2007

Segunda Galáxia Poética

DIA SECO

Dia seco.
Manhã seca.
Sol queimando.
Pelas ruas ardentes os carros passam,
correndo, desviando,
xingando, atropelando,
Querendo!

Manhã ensolarada,
cansada, suada,
encarquilhada, iluminada!
Seca.

Dia seco.
Manhã tórrida.
Sol ardendo.
Pelos paralelepípedos escaldantes as pessoas passam,
andando, correndo,
Suando, ardendo,
Querendo!

Manhã clara do brilho do sol,
dos reflexos nos vidros dos carros e
nas pedras velhas do calçamento.
Pedras quentes de outra época,
De outras manhãs...
Também secas?

Dia seco.
Manhã ressecada pelo sol de muitos anos,
anos de luta e glória,
fortunas e fracassos,
experiência e cansaço,
descanso e esperança...

Dia seco.
Manhã de fogo-fátuo bruxuleante
pelas casas antigas que ainda mantém-se,
pelos resquícios dos velhos tijolos nas novas construções,
pelos velhos cimentos, que, unindo tijolos, abrigaram
vidas que já se foram.
Pedra e massa que agora presenciam dias secos, manhãs ardentes,
dias ressequidos, manhãs carentes.

Dia úmido
Manhã fresca,
um dia....


Out.2006

14 março 2007

Segunda Galáxia Poética

INDÍCIOS


Quero descobrir
os segredos
que teus olhos
indiciam

Revolver sua placidez
e fomentar
tua rebeldia

Latente.
que se sente
transbordante
dos teus
olhos.


14.12.2006

13 março 2007

Segunda Galáxia Poética

EM SUSPENSO


Suspensa está
a respiração
a vida
o tesão.


Suspensos estão
o amor
a cor
a dor
o valor.


Nessa meia-vida
refrescante é a brisa
doce é o pêssego fresco
suave é o perfume da maçã


Nessa suspensão
nada de novo se planta
mas o que se colhe
se não assusta, perturba.
Não se esconde, se mostra,
e aí, assusta!



26.10.2006

Poetrix

Há pouco tempo, visitando sites de poesias, descobri a existência de um movimento poético chamado Poetrix.
Esse tipo de poema lembra, pelo seu formato, o haicai em sua versão ocidental, conforme explicação de Ana Maria de Souza Mello (1):


“ O haicai é um poema japonês composto de 17 sílabas que nas traduções e nos originais ocidentais, vem distribuído em três versos de 5, 7 e 5 sílabas formando um terceto. O terceto é uma característica ocidental pois em japonês estes versos vêm escritos em uma única linha vertical ou horizontal. Originalmente sem rima, que é muitas vezes acrescentada na tradução.”

Já o Poetrix é um poema composto de título e uma estrofe de três versos, um terceto, com um máximo de trinta sílabas métricas.Surgiu em 1999, com a publicação do livro TRIX – Poemetos Tropi-kais, de Goulart Gomes, premiado com Menção Especial pela Academia Carioca de Letras e União Brasileira de Escritores – RJ, em 2000.

Segundo palavras do próprio criador: “O POETRIX tem sido chamado de "anti-haicai" ou "filho rebelde do haicai". Eu diria que ele é um 'herdeiro" do haicai, pela sua forma e um "herdeiro" dos micropoemas e poemas-minuto, pelo seu conteúdo. Mas, não esqueçamos que o terceto também tem uma tradição ocidental, oriunda dos terzettos italianos, praticados por Dante Alighieri. “ (2)




Escrevi esses dois micro-poemas, serão eles POETRIX??




Poesia

Poesia é sangue e suor
É o momento maior
Mesmo que em dor menor
O Que é O Amor

Nada é o amor
Sem o grande temor
Das lágrimas





07 março 2007

Poesias Selecionadas

Há muito tempo atrás eu li o poema ANNABEL LEE de Edgar Allan Poe e o achei muito bonito e triste. Realmente me impressionou.

Lembrei-me dele esses dias e resolvi colocar aqui essa poesia.
Colocarei duas traduções para o português, uma de Fernando Pessoa e outra do brasileiro Oscar Mendes.
Gostei mais da tradução do Oscar Mendes, por causa, principalmente, da repetição da palavra ANNABEL LEE , semelhante ao original em inglês.
Essa repetição torna mais trágico e triste o poema, e lindo, muito lindo!


ANNABEL LEE

trad. de Oscar Mendes

Há muitos, muitos anos, existia
num reino à beira-mar, em que vivi,
uma donzela, de alta fidalguia,
chamada ANNABEL LEE.
Amava-me, e o seu sonho consistia
em ter-me sempre para si.


Eu era criança, ela era uma criança
no reino à beira-mar, em que vivi.
Mas tanto o nosso amor ultrapassava
o próprio amor, que até senti
os serafins celestes invejarem
a mim e a ANNABEL LEE.


Por isso mesmo, há muitos, muitos anos,
no reino à beira-mar, em que vivi,
gélido, de uma nuvem, veio um vento
matar ANNABEL LEE.
E seus nobres parentes se apressaram
em tirá-la de mim: encerrarem-na vi
num sepulcro bem junto ao mar,
que chora eternamente ali.


Foi inveja dos anjos: mais felizes
éramos nós aqui.
Sim, foi por isso (como todos sabem
no reino à beira-mar, em que a perdi)
que veio um vento, à noite, de uma nuvem
matar ANNABEL LEE.


Mas nosso amor, imenso, era mais forte
do que o tempo e que a morte,
do que a própria esperança em que o envolvi.
E nem anjos celestes nas alturas,nem demónios dos mares abissais
jamais minha alma afastarão, jamais,
da bela ANNABEL LEE.


Pois, quando surge a lua, em meus sonhos flutua,
no luar, ANNABEL LEE.
E, quando se ergue a estrela, o seu fulgor revela
o olhar de ANNABEL LEE.
E junto a ela eu passo, assim, a noite inteira,
junto àquela que adoro, a esposa, a companheira,
na tumba, à beira-mar, no reino em que vivi,
junto ao mar que por ti
soluça eternamente, ANNABEL LEE.

http://umamericanoemlisboa.blogspot.com/2005/12/beira-marbeira-mal.html


ANNABEL LEE

trad. de Fernando Pessoa

Foi há muitos e muitos anos já,
Num reino de ao pé do mar.
Como sabeis todos, vivia lá
Aquela que eu soube amar;
E vivia sem outro pensamento
Que amar-me e eu a adorar.


Eu era criança e ela era criança,
Neste reino ao pé do mar;
Mas o nosso amor era mais que amor --
O meu e o dela a amar;
Um amor que os anjos do céu vieram
a ambos nós invejar.


E foi esta a razão por que, há muitos anos,
Neste reino ao pé do mar,
Um vento saiu duma nuvem, gelando
A linda que eu soube amar;
E o seu parente fidalgo veio
De longe a me a tirar,
Para a fechar num sepulcro
Neste reino ao pé do mar.


E os anjos, menos felizes no céu,
Ainda a nos invejar...
Sim, foi essa a razão (como sabem todos,
Neste reino ao pé do mar)
Que o vento saiu da nuvem de noite
Gelando e matando a que eu soube amar.


Mas o nosso amor era mais que o amor
De muitos mais velhos a amar,
De muitos de mais meditar,
E nem os anjos do céu lá em cima,
Nem demônios debaixo do mar
Poderão separar a minha alma da alma
Da linda que eu soube amar.


Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos
Da linda que eu soube amar;
E as estrelas nos ares só me lembram olhares
Da linda que eu soube amar;
E assim 'stou deitado toda a noite ao lado
Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,
No sepulcro ao pé do mar,
Ao pé do murmúrio do mar.



ANNABEL LEE

Edgar Allan Poe

It was many and many a year ago,
In a kingdom by the sea,
That a maiden there lived whom you may know
By the name of Annabel Lee;
And this maiden she lived with no other thought
Than to love and be loved by me.


I was a child and she was a child,
In this kingdom by the sea;
But we loved with a love that was more than love-
I and my Annabel Lee;
With a love that the winged seraphs of heaven
Coveted her and me.


And this was the reason that, long ago,
In this kingdom by the sea,
A wind blew out of a cloud, chilling
My beautiful Annabel Lee;
So that her highborn kinsman came
And bore her away from me,
To shut her up in a sepulchre
In this kingdom by the sea.


The angels, not half so happy in heaven,
Went envying her and me-
Yes!- that was the reason (as all men know, In this kingdom by the sea)
That the wind came out of the cloud by night,
Chilling and killing my Annabel Lee.


But our love it was stronger by far than the love
Of those who were older than we-
Of many far wiser than we-
And neither the angels in heaven above,
Nor the demons down under the sea,
Can ever dissever my soul from the soul
Of the beautiful Annabel Lee.


For the moon never beams without bringing me dreams
Of the beautiful Annabel Lee;
And the stars never rise but I feel the bright eyes
Of the beautiful Annabel Lee;
And so,all the night-tide, I lie down by the side
Of my darling, my darling, my life and my bride,
In the sepulchre there by the sea,
In her tomb by the sounding sea.


http://www.culturabrasil.org/pessoaepoe.htm