Nada para ele era mais fantástico do que viver. Mantinha uma ânsia de viver tanto quanto de morrer, e vivia, vivia, vivia cada segundo, cada átimo de segundo do dia, até esgotar a sua última gota de vontade, e então dormia. O merecido sono dos batalhadores que combatem o vão combate. Sempre.
Com Túlio e Camila, Antoine ia vivendo seus dias de ir e vir. Secretamente ele esperava e talvez ansiasse pelo dia derradeiro. Enquanto este não chegava, ele ansiava-se até o ar faltar por vencer a batalha por ele sabida vã. Durante esta batalha, a cegueira oriunda da expectativa da vitória certa era sorvida por Antoine como o mais nutritivo dos compostos vitamínicos por ele já tomados - o que fazia com que levasse uma vida épica.
Ele era todo épico. Desde seus pensamentos até as roupas que usava - em tudo havia um tom épico que vociferava a vã batalha travada a cada ocaso e nascer do sol. Vez ou outra, tomado pela própria consciência, Antoine amargava-se e se perguntava a crucial questão que perseguia a ele e a muitas e muitas e muitas pessoas:
Quem era Antoine, afinal?
Talvez Antoine fosse um pássaro grande e pesado, cujas penas eram lisas e escorregadias. Desde a época em que tomara consciência da própria existência, Antoine quis ser livre. E livre então, ele era. Sempre o fora e sempre o seria. Absoluta e totalmente livre.
Antoine era um pássaro. E, uma vez que teoricamente todos os pássaros são livres, ele era também livre. Antoine era então, um pássaro grande e pesado, cujas penas eram lisas e escorregadias.
O que mais o atordoava era o fato de não ser aquilo que realmente achava que era. O que ele era na verdade e não na sua realidade, o insatisfazia dolorosamente. Como acreditar naquela figura transparente, esvoaçante e inócua, cuja realidade só era confirmada pelos olhos alheios? (continua...)