O texto abaixo, escrevi em 1990. Encontrei-o remexendo nos velhos "baús" que sempre mantemos por algum motivo, sejam eles matéria ou idéia.
O texto é bruto, não tem lapidação alguma, considero esses textos antigos como experimentos iniciais com a escrita...deste, gosto, porque algumas partes me vieram em sonho...e sempre gostei de idéias "meio" que oniricamente autopsicografadas...
Brincadeira ao Longe
Todos os dias olho a vida pela janela da sala. Vejo todo o verde que me cerca. Conheço cada milímetro da sua cor. Todas as tardes o mesmo vento varre a poeira árida dos meus olhos...então eu enxergo. Enxergo tudo o quanto existe aqui. Gosto da música natural que existe aqui, embora muitas vezes eu tenha querido ouvir uma artificial.
Gosto da arte. Gosto de toda a grande arte que me cerca, embora muitas vezes sinta que a arte está muito longe de mim. Gosto da primordialidade reinante aqui, sinto que a arte primordial é que é a arte real, pois é a sua base e o seu início.
Mas eu sinto que está errado, que há uma errância, um anacronismo nos momentos de minha vida. Desde que aqui vim morar, o tédio me sufoca, quebro-o observando a primordialidade que sempre amei, mas a sinto ditante de mim, as árvores são mais altas do que eu, o pasto é mais extenso que minha breve extensão, os animais são mais comunicativos entre eles do que comigo. Há uma inalcançabilidade na nossa fazenda, mas somente eu a percebo.
Olho meu filho brincando ao longe, tão distante da matéria primordial alcançada, mas ao mesmo tempo tão próximo dela bruta. Brinca com ela como se fosse um brinquedo qualquer. A simplicidade com que ele a toca é tão terrível que dói.
A grande pena é que não sou simples. Muitas noites eu durmo, muitas noites eu não durmo por causa daquilo a que eu chamo amor. Nem o que eu sinto é meu, o ser que se deita ao meu lado, que possui uma voz que sempre me embala, não é meu.
Sempre vejo meu filho brincando ao longe. O que me arde os olhos é que a beleza que procuro está na distância. A distância é tão bela como é belo tudo o que está perto. Sentindo isso, sinto que sou tão pobre como uma caixa de lápis de cor vazia.
Os meus lábios são salgados, mas quando ele me beija não os sente assim, pois engulo o sal antes de cada beijo. E o meu filho que sempre brinca ao longe nunca traz o seu brinquedo para perto de mim. Talvez pense que eu vá tomá-lo, por isso brinca sempre ao longe.
Quando me deito, imagino as estrelas, tendo a certeza que estão me olhando, apesar do telhado. E então sinto uma mão que passa pelo meu rosto. É meu marido, que sempre fala comigo numa linguagem que não entendo e que não sei se amo, pois não possuo linguagem alguma, possuo somente olhos, e uma enorme visão que talvez provenha deles.
Mas o céu que todas as tardes vejo pela janela da sala sempre existirá, e o meu filho sempre brincará ao longe, e eu o observarei da janela que é minha.
27.02.1990
O texto é bruto, não tem lapidação alguma, considero esses textos antigos como experimentos iniciais com a escrita...deste, gosto, porque algumas partes me vieram em sonho...e sempre gostei de idéias "meio" que oniricamente autopsicografadas...
Brincadeira ao Longe
Todos os dias olho a vida pela janela da sala. Vejo todo o verde que me cerca. Conheço cada milímetro da sua cor. Todas as tardes o mesmo vento varre a poeira árida dos meus olhos...então eu enxergo. Enxergo tudo o quanto existe aqui. Gosto da música natural que existe aqui, embora muitas vezes eu tenha querido ouvir uma artificial.
Gosto da arte. Gosto de toda a grande arte que me cerca, embora muitas vezes sinta que a arte está muito longe de mim. Gosto da primordialidade reinante aqui, sinto que a arte primordial é que é a arte real, pois é a sua base e o seu início.
Mas eu sinto que está errado, que há uma errância, um anacronismo nos momentos de minha vida. Desde que aqui vim morar, o tédio me sufoca, quebro-o observando a primordialidade que sempre amei, mas a sinto ditante de mim, as árvores são mais altas do que eu, o pasto é mais extenso que minha breve extensão, os animais são mais comunicativos entre eles do que comigo. Há uma inalcançabilidade na nossa fazenda, mas somente eu a percebo.
Olho meu filho brincando ao longe, tão distante da matéria primordial alcançada, mas ao mesmo tempo tão próximo dela bruta. Brinca com ela como se fosse um brinquedo qualquer. A simplicidade com que ele a toca é tão terrível que dói.
A grande pena é que não sou simples. Muitas noites eu durmo, muitas noites eu não durmo por causa daquilo a que eu chamo amor. Nem o que eu sinto é meu, o ser que se deita ao meu lado, que possui uma voz que sempre me embala, não é meu.
Sempre vejo meu filho brincando ao longe. O que me arde os olhos é que a beleza que procuro está na distância. A distância é tão bela como é belo tudo o que está perto. Sentindo isso, sinto que sou tão pobre como uma caixa de lápis de cor vazia.
Os meus lábios são salgados, mas quando ele me beija não os sente assim, pois engulo o sal antes de cada beijo. E o meu filho que sempre brinca ao longe nunca traz o seu brinquedo para perto de mim. Talvez pense que eu vá tomá-lo, por isso brinca sempre ao longe.
Quando me deito, imagino as estrelas, tendo a certeza que estão me olhando, apesar do telhado. E então sinto uma mão que passa pelo meu rosto. É meu marido, que sempre fala comigo numa linguagem que não entendo e que não sei se amo, pois não possuo linguagem alguma, possuo somente olhos, e uma enorme visão que talvez provenha deles.
Mas o céu que todas as tardes vejo pela janela da sala sempre existirá, e o meu filho sempre brincará ao longe, e eu o observarei da janela que é minha.
27.02.1990
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